Somos da mesma geração, aquela que veio ao mundo no início dos anos 1960. Dessa forma, quando adolescentes, ficamos ali espremidos entre uma fase de golpe militar empresarial de 1964 a 1985 e, depois, um esboço de democracia que vem se esboçando até os dias de hoje.

Nossa amizade se estende, pois, desde os bancos do antigo primário, passou pelos do ginásio e adentrou aos do secundário, este último já em Teresina, pois à época não havia esse nível de ensino em Pedro II. Agora éramos confrades da APLA – Academia Pedro-segundense de Letras e Artes, na qual ele ocupava a cadeira de nº 34, cujo patrono é seu pai, Salvador Lopes.

Das centenas de lembranças que guardo do, agora, meu amigo de saudosa memória Silva Lopes, uma vai marcar-me para sempre.

O ano era 1973 e estávamos na sétima série ginasial. Nossa professora de Arte era dona Raimundinha Sampaio. Na aula da semana anterior ela pedira que nos dividíssemos em duplas e pensássemos em trazer para a aula da semana seguinte uma surpresa, algo artístico que cada dupla apresentaria à turma.

Eram não mais que duas e dez da tarde daquele 20 de junho, uma quarta-feira, de 1973. Duas duplas já haviam apresentado sua atração. De repente a professora chama a próxima dupla: Lucinete Pereira e Francisco Raimundo. Eles estavam do lado de fora da sala, entram ao serem chamados.

Ela, muito bonita, trazia um violão e ele, que usava cabelos longos à época, logo atrás. O silêncio era ensurdecedor. Então ela disse:

- Boa tarde, gente. Eu e o Francisco Raimundo ensaiamos por uma semana uma canção linda de um cantor novo que está surgindo agora. Meu irmão comprou um LP com as músicas dele e nós escolhemos essa. O nome dela é A Desconhecida e o cantor é Fernando Mendes.

Eles cantaram uma primeira vez, pedimos bis. Cantaram de novo. Pedimos bis. Cantaram novamente. Outro bis... Aí a professora e todos nós percebemos que não haveria mais espaço para qualquer outra dupla naquela tarde.

De uma das vezes que conversei com Francisco Raimundo da SILVA LOPES sobre essa tarde ensolarada ficamos na dúvida se ele e Lucinete haviam repetido a canção oito ou nove vezes.

Nossa turma era composta por quatro de nós: Silva Lopes, Carlos Alberto Cordeiro (ambos falecidos), Brasiliano Orsano e Eu. Os quatro cavaleiros do apocalipse, para uns, ou os quatro rapazes de liverP2, para outros. No fundo éramos apenas quatro garotos vindos do interior, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes.

Pois bem, há uns cinco anos, minha mulher e eu estávamos almoçando com nossos filhos e netos em um restaurante em Teresina, quando uma amiga minha adentra ao resinto com um grupo de pessoas.

Como nossas mesas estavam próximas uma da outra, ao me ver, veio falar comigo. E me perguntou, apontando, se eu reconhecia um cara que estava à mesa com seus (dela) amigos. Era o Fernando Mendes!

Ela nos pegou a mim e à Rosa pela mão e fizemos umas fotos com o cantor. Coisas de segundos, mas tempo suficiente para eu contar em poucas palavras o que acontecera naquela tarde ensolarada de quarta-feira do distante ano de 1973. Ele ficou admirado, rindo.

Mal esperei chegar à cidade de Pedro II para contar a novidade ao meu amigo Silva Lopes.

- Silva Lopes, rapaz, eu contei ao Fernando Mendes sobre sua apresentação com a Lucinente no tempo de ginásio.

- Contou mesmo, Mister?! (ele me chamava de Mister Aldrin, em homenagem ao astronauta). Rapaz, nem acredito, foi mesmo?

Ele estava exultante, rindo, e dando um tapinha na perna, ele tinha esse costume quando algo o deixava feliz.

É desse momento mágico com meu amigo SILVA LOPES, que se foi nesse 12/03/2025, que quero eternizar nossa amizade em minha memória. Siga em paz, meu amigo, “Numa tarde (tristemente) tão linda de sol” (*).

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(*) verso da canção ‘A Desconhecida’

Ernâni Getirana (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. Membro criador do Coletivo P2, pertence às academias APLA, ALVAL e ao Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. É autor, dentre outros livros de: “Lendas da Sereia de Pedro II” e “História, Geografia e Literatura de Pedro II, Piauí” (em fase de editoração). Escreve para este portal aos sábados.