Quinta, 21 de Novembro de 2024
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Cultura Coluna do Ernâni

170 Anos do Município Piauiense de Pedro II

ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. É autor de inúmeros livros, dentre eles “Debaixo da Figueira do Meu Avô”. É membro da APLA, ALVAL, UBE-PI e do IHGPI.

10/08/2024 às 08h40 Atualizada em 10/08/2024 às 09h55
Por: Gustavo Mesquita
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170 Anos do Município Piauiense de Pedro II

 

(Ernâni Getirana)

Para não perder as terras descobertas (Brasil) para holandeses, franceses e ingleses a Coroa Portuguesa instituiu uma série de Leis, Decretos, Alvarás e Cartas Régias que determinavam como deveria ser a interiorização do Brasil, uma vez que por muito tempo os portugueses só haviam se dedicado ao litoral de Pindorama (que era o nome do Brasil em tupi e significa ‘terra das palmeiras’). Tal processo teve início no século XVI, se estendeu pelos dois séculos seguintes, chegando até ao XIX. No caso do Piauí a pecuária foi a fator responsável pelo processo de interiorização da região a partir do século XVII. Durante muito tempo o que hoje chamamos de ‘estado do Piauí’ nem nome tinha, era a ‘terra de passagem’ de boi, a ‘terra do meio’ entre o Ceará e o Maranhão. A criação do município de Pedro II, século XIX, é, pois, parte do processo estendido de interiorização delineado pelo governo português, embora sob a égide de uma monarquia constitucional parlamentar representativa (D. Pedro I e D. Pedro II).

O município piauiense de Pedro II faz 170 anos nesse 11 de agosto de 2024, oficialmente. Conhecido como Matões, posteriormente chamou-se Pequizeiro (como noticiado no jornal Phyauhy, de 1883), e Itamaraty. João Alves Pereira, Antonio Pereira de Castro, Albino Pereira e Domingos Pereira Dutra, conhecidos como Irmãos Pereira, foram seus fundadores oficiais.

Mas como vimos teorizando já há algum tempo, essa explicação, embora verdadeira, é simplista e não explica, de fato, a complexa realidade que foi a criação do que viria a ser o município de Pedro II, Piauí.  Os Irmãos Pereira eram de origem portuguesa, isto é, eram homens brancos com algumas posses, mas não eram ricos. Se fossem, fariam como os ricos da época (final do século XIX): teriam mandado outros procurar riquezas em seu lugar. Isso é, seriam financiadores da expedição e não participantes da expedição. 

E dizemos ‘expedição’, pelos simples fato de que eles sozinhos, no meio do mato, cercados por animais ferozes, de dia tendo que suportar altas temperaturas, à noite o frio extremo, relevo inóspito, cortando caminho dentro da caatinga vítrea, dormindo ao chão, tendo que conseguir comida, água, e uma série extensa de cuidados e afazeres, após percorrerem cerca de 200 léguas a pé, dificilmente conseguiriam seu intento, isto é, de ‘fundar’ o que viria a ser no futuro o nosso município.

A Coroa portuguesa ditava as regras

A chegada da expedição dos irmãos Pereira à região de Pedro II seguia, por tabela, a orientação da Coroa Portuguesa (séculos XVI, XVII e XVII) e que chegava até ao ‘período dos Pedros’ I e II (século XIX). Isto é, obedecia o modus operandi segundo o qual o processo de interiorização do Brasil deveria ser feito mediante a obediência de determinados protocolos.

Muito provavelmente a expedição dos Irmãos Pereira seguiu o modelo das expedições paulistas (as Bandeiras, século XVII). Estas contavam com cerca de uns cinquenta homens, dentre afrodescendentes (semi)escravizados, indígenas cooptados, mateiros contratados, batedores, capitão do mato, dentre outros, e os Irmãos Pereira, logicamente.

Faz-se, pois, necessário incluirmos, na criação/fundação do município de Pedro II, como que numa reparação histórica, os elementos ameríndio e afro-descendente. Sem a presença deles, o que viria a ser o município de Pedro II nunca teria existido nesses moldes. Num tempo em que não havia meios de transportes como os de hoje e nem sequer estradas havia (apenas veredas abertas a facão), imaginar que homens de origem europeia pudessem caminhar por 200 léguas numa região semiárida e inóspita é, no mínimo, não querer nos ater à realidade histórica e lógica dos fatos.

Pesquisadores pedro-segundenses

Feita essa ressalva, adentremos um pouco à História piauiense e pedro-segundense, pois estão embricadas, com base em três intelectuais de Pedro II: o professor Wilson da Andrade Brandão (1922-2001), o professor Genuíno Francisco Sales (1932-2018) e o historiador José Eduardo Pereira (1929-1993).

Para o primeiro, ao tratar do Piauí diz que embora o início de sua criação tenha sido baseada no gado bovino, “Nem por isso deixa [o Piauí] de integrar-se naquele sistema [colonial], tornando-se peça fundamental dele. Como se recorda, desde a primeira hora, destina-se o sertão à bovinocultura. Não passou pela mente dos fazendeiros de então que a carne viesse a tornar-se mercadoria de exportação” (BRANDÃO, 1995, p.16-17).

Vemos que o Piauí seguiu as determinações da Coroa, o mesmo ocorreu na região que viria a se tornar o município de Pedro II. Isto é, a ‘fundação’ do município não foi algo fortuito (como a versão original parece sugerir), mas algo que estava no escopo do processo de interiorização do Brasil e do Piauí. É assim que vemos a questão.

Segundo o historiador José Eduardo Pereira, o povoado foi elevado à categoria de vila em 11 de agosto de 1854 (Lei provincial assinada pelo presidente da Província do Piauí, Pereira Carvalho) e à categoria de cidade em 21 de fevereiro de 1891 através do Decreto Lei nº 50, assinado pelo governador Gabriel Ferreira, com o nome de Itamaraty (palavra que em Tupi significa ‘pedra cor de rosa’). Finalmente em 13 de junho de 1911, o município volta em definitivo a chamar-se Pedro II, pela Lei 641, assinada pelo governador Antonino Freire da Silva.

A paróquia, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, foi instituída pela Lei Provincial 295, de 20 de agosto de 1851, quando o Presidente da Província do Piauí era Antonio Saraiva.

O professor Genuíno Sales em diversos textos comentou sobre a História do município de Pedro II, embora ficcionando-a. Vejamos seu livro ‘Bem na Safena’, por exemplo. Compôs também o poema ‘Matões’ que parece ser o poema definitivo sobre o município de Pedro II. Ele não ficou só na escrita de artigos e livros, foi o mentor da criação do CROP (Clube Recreativo dos Operários Pedro-segundenses), em uma época em que um ato desses era considerado uma afronta à classe dominante local. Ato ousado só comparável à criação da Associação Rural de Pedro II, da qual o Sr. Epifânio Getirana foi sócio fundador e presidente.

Bouqueirão X Pequizeiro

O historiador Saulo Melo acrescenta que a primeira denominação do município teria sido “Bouqueirão”, homônimo de uma fazenda. Já o historiador Afonso Getirana diz que, segundo outro historiador cearense, o nome ‘Bouqueirão’ atribuído ao que viria a ser a primeira denominação do município de Pedro II foi um erro do cartógrafo, que o corrigiu na edição seguinte.

Alguns dados gerais do município

O município de Pedro II, PI, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), localiza-se na Mesorregião do Norte piauiense, na Microrregião de Campo Maior, a 4º 25’ 18’’ de Latitude Sul e a 41º 27’ 34’’ de Longitude W, Gr. Fuso horário UTC-3.

O município está localizado no território dos cocais, na microrregião de Campo Maior. Possui altitude média de 600 m. Seu clima é tropical megatérmico e subúmido, com média 1.000 mm de chuva/ano. (IBGE, 2022).

Sua área é de 1.518 km2, bioma Caatinga, localizado a 195 km da capital, Teresina. Sua população é de 38.812 mil pessoas (22 mil na zona rural e 19 mil do total geral são do sexo feminino). A densidade demográfica é de 24,70 (IBGE, 2022), gentílico: pedro-segundense. Estatística de empresas (IBGE, 2012): 431 empresas atuantes, 1.938 pessoas ocupadas assalariados, 2.319 pessoas ocupadas no geral, salário médio mensal: 1,2 salários mínimos.

No ranking de população dos municípios, Pedro II está: na 14ª colocação no estado; na 248ª colocação na região Nordeste; e na 858ª colocação no Brasil. São em média 3,12 habitantes por residência num total de cerca de 12 mil residências (IBGE, 2022).

Mapa da pobreza e da desigualdade social (IBGE, 2002): 56,41% de incidência de pobreza, 62,89% de incidência da pobreza subjetiva.

A questão fluvial

A questão fluvial e hidráulica como um todo, deve ser preocupação dos pedro-segundenses. Nossos olhos d’água Bananeira, Pirapora, Buritizinho e Pimenta apresentam sérios problemas de poluição e ameaças outras que podem comprometer a qualidade de nossas águas. O rio dos Matos também tem sido penalizado por conta de ações inadequadas praticadas por pessoas desinformadas e de má fé.

Apenas a responsabilidade de todos para com nosso meio ambiente garantirá efetiva coexistência das futuras gerações com uma natureza mais limpa e menos espoliada.

 

A História ainda não contada

Quando iniciamos textos sobre o município de Pedro II a partir da chegada da expedição com os Irmãos Pereira, isso é apenas metade da história. Ou, mais precisamente, é apenas 1,7 centenas de anos das 60 centenas de anos ou mais de História do município. E onde estariam narradas as outras 58,3 centenas de anos? Nos paredões de nossos parques arqueológicos, claro.

Pesquisas paleontológicas realizadas pela UFPI – Universidade Federal do Piauí – dão conta de que seres humanos já habitavam a região do que denominamos Grande Pedro II (que compreende à área geográfica atual do município de Pedro II e as demais áreas que dele foram desmembradas: Lagoa de São Francisco, Domingos Mourão e Milton Brandão) há, pelo menos, entre 6 e 12 mil anos. É o que parecem indicar as inscrições dos sítios rupestres da Lapa, do Letreiro do Quinto e do Salobro.

 

A Serra da Ibiapaba

Essa vertente de estudo que tem por objetivo aprofundar as discussões sobre as ‘possíveis Histórias’ do município e preencher lacunas históricas com o emprego de método científico, é plenamente defensável se compreendermos o papel preponderante da Serra da Ibiapada e de sua respectiva APA (área de preservação ambiental) da qual a Terra da Opala faz parte com mais 8 municípios piauienses e outros tantos cearenses, totalizando uma área de cerca de 1,6 milhão de hectares. No espaço desta coluna é impossível tratarmos disso em detalhes.

Mas não podemos deixar de dizer que o próprio corredor da Ibiapaba   muito provavelmente serviu de caminho para migração sazonal de grupos humanos por séculos, como parecem indicar as inscrições rupestres. Este caminho provavelmente seria em grande parte onde está a PI-477.

A Serra da Ibiapaba (que significa ‘serra fendida’ em tupi) funcionou como reduto e espaço de guerrilha dos revoltosos do movimento Balaiada, sendo que o município de Pedro II foi um dos palcos dessa revolta. “A partir de então [passados 15 anos da presença de cearenses na independência do Piauí], as ações armadas a partir da Ibiapaba foram frequentes. Em setembro, [de 1839] um destacamento do exército em Matões (atual Pedro II), no Piauí, foi atacado por 56 rebeldes. Após roubarem munições e queimarem casas, seguiram para Piracuruca, onde foram sitiados e travaram uma batalha de 13 horas. 15 combatentes morreram e os sobreviventes retornaram fugidos à serra” (COSTA, 2023).

Pedro II foi palco também de outro fato histórico nacional, a Passagem da Coluna Prestes A Coluna Prestes foi um movimento tenentista contra a corrupção na Velha República (1889-1930) liderado por Luis Carlos Prestes (1898-1990). Um braço da coluna passou pelo município de Pedro II a 10 de janeiro de 1926, quando era intendente do município o Cel. Lauro Cordeiro Brandão. Além do município de Pedro II, a coluna passou também por Altos, Picos, Bocaina e Floriano. Ao todo a coluna percorreu 25 mil km pelas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Em 1927 depuseram as armas e Prestes se exilou na Bolívia. (LIMA, 2008)

O certo é que outros estudiosos (dentre os quais me incluo) da questão pedro-segundense, como o professor Afonso Getirana, o pesquisador João Barros, o pesquisador Saulo Melo, o poeta Chaguinha Gomes, a poeta Marina Campelo, a professora Ivanilda Amaral, as professoras Maria de Lourdes Viana, Antonio Rosa Castro e Maria Luisa Leite (essa última de saudosa memória), Professora Ana Paulino Galvão, além de pioneiros como o professor Genuíno Sales, o professor Wilson de Andrade Brandão, o professor Francisco Viana de Sousa, o Vianinha (1934-2016), o desembargador Tomás Campelo e o Dr. José Eduardo Pereira (os quatro já falecidos), além de escritores que escrevem sobre Pedro II tais como Pedro Barros, Ana Lúcia Mello, Cleomar Leite, dentre muitos outros e outras que se voltam para a questão, todos/todas vimos chamando a atenção para a necessidade da realização de seminários, pesquisas arqueológicas, rodas de conversar e publicação de papers (salientamos que há pelos menos duas dezenas de artigos, teses e dissertações sobre aspectos variados do município) acerca esse torrão de todos nós, o município de Pedro II, cujo povo parabenizamos na oportunidade.

Autores e autoras consultado(a)s para a escrita desse artigo:

BRANDÃO, Wilson de Andrade. Formação social. in: SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro de (Org.). Piauí: Formação. Desenvolvimento. Perspectiva. Teresina: Halley. 1995. P.13-40.

LIMA, Ernâni Getirana de. Raspa do Mameleiro: antologia de prosa e poesia pedro-segundense/organizador, Ernâni Getirana. Pedro II, PI, EDUFPI, 2015. 152p.

LIMA, Ernâni Getirana de. O município de Pedro II, seu povo, sua historia sua diversidade (Artigo, 2012).

PEREIRA, José Eduardo. Pedro II e Domingos Mourão: coletânea de artigos. 2ª. Série. Teresina, Gráfica Editora Júnior, 1988. 76p. (Caderno 5).

SALES, Genuino. Bem na Safena. Coleção Contar-Vol9. Ed.Halley SA, Teresina, 2002.

 

ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. É membro da UBE-PI, APLA, ALVAL e do IHGPI (Instituto Histórico e Geográfico do Piauí), membro fundador do Coletivo P2 de Prosa e Poesia. É o autor de “Lendas da Cidade de Pedro II”, dentre outros livros. Escreve aos sábados para o Portal P2.

 

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Cultura com Profº Ernâni Getirana
Cultura com Profº Ernâni Getirana
Sobre Ernâni Getirana, professor, lecionou na UESPI e Faculdade Santo Agostinho, aposentado na Rede Estadual de Educação, Ecoescola Thomas a Kemps. Ainda na ativa na Rede Municipal de Educação de Pedro II. Formado em Letras pela UFPI, graduado em Meio Ambiente pela UnB, graduado em Educação pela UFRJ, mestre em Políticas Públicas pela UFPI. Membro das academias: Vale do Longá e Pedrossegundense de Letras e Artes. É poeta e escritor, autor de vários livros, dentre eles “Lendas da Cidade de Pedro II”.
Atualizado às 21h00 - Fonte: ClimaTempo
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