Cultura Coluna do Ernâni
Um poema à Praça Velha
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. É autor de inúmeros livros, dentre eles “Debaixo da Figueira do Meu Avô”. É membro da APLA, ALVAL, UBE-PI e do IHGPI.
05/04/2024 15h18 Atualizada há 6 meses
Por: Gustavo Mesquita
Foto: Neto Santos

 

Em 2022 a Praça Deputado Milton Brandão, ou melhor, a Praça da Independência, ou melhor, a Praça do Recanto. Bom, usarei a denominação mais antiga e perene, a Praça Velha, completou seus 100 anos bem vividos, sim senhor, sim senhora.

Testemunha de muitos casos de amor, de muita contenda política de muito disse-me-disse, a velha praça atravessou o tempo e eis, que em pleno 2024 está revigorada. Durante o Festival de Inverno de Pedro II abriga os jazzistas e os apreciadores do gênero como eu. Durante o resto de ano é palco de diversos saraus por grupos culturais locais da cidade de Pedro II.

Fiz um poema dedicado a ela, a poeta Marina Campelo fez um libreto de cordel e fotógrafas como Isabel Cruz e Zeneide Campelo têm mostrado este belo cartão postal de muitos ângulos. Como disse o poeta Castro Alves “A praça é do povo, como o céu é do condor”.

 

UM POEMA À PRAÇA VELHA

Ernâni Getirana

 

Andar por ti, palmilhar teu chão leve por entre canteiros,

Tocar as grossas cascas de tuas centenárias figueiras,

Sentar-se em um de teus bancos e, de olhos fechados,

Ouvir o doce badalar do sino na torre da igreja

 

Voltar no tempo e imaginar o que se viu

Quando criança, e antes disso, o que disseram de ti

A banda do maestro Alessandro,

As serestas dos seresteiros que foram se dependurar nas nuvens

 

As moças faceiras com seus vestidos largos de organdi

Os rapazes de terno e chapéu de palha espalhando loção

A vendedora de café com bolo e torresmo

O vendedor de pipoca, pirulito e algodão doce

Os mendigos e bêbados que tanto dormiram sobre ti

 

Doce era namorar na praça, trazer os rostos dos enamorados

Emoldurados pelas palmas das mãos, numa carícia sem fim,

Crianças andando de velocípedes

De vez em quando, uma quedinha, um choro e um afago: tá tudo bem, meu bem.

 

E os amores proibidos? E as fugidas da mãe? E as fofoqueiras de plantão queimando o bico

‘Tava na praça, que eu vi, dona Maria, sua filha tava na praça com o filho do seu Chico.

Eu vi, eu vi, juro por Deus’.

As fofoqueiras daquele tempo não tinham celular, já pensaram?????

Deus não dá mesmo asas a cobra. A vida cobra.

 

Cem anos se passaram, num piscar de olhos, estas figueiras ainda bem que não falam,

Se falassem, a cidade viria abaixo, acreditem!

Quantos planos feitos, quantas promessas juradas

Tanto no amor como na política etílica, e o tempo levou, tudo passa, virou tudo fumaça.

 

Mas ela, a Praça Velha, continua aqui um recanto, praça da independência,

Dos nossos corações aprisionados

Mais linda do que nunca, remoçada,

Canteiros floridos, sol beijando-a todas as tardes, lua alta e sonolenta nas suas madrugadas

 

Queira o bom Deus que a Praça Velha continue sendo de todos,

Acolha a todos com os braços estendidos de suas árvores

Nos dê morada em suas sombras, nos acalante na brisa que se espalha

Com o silêncio amigo do carinho filial,

E que mesmo em noites de breu vele por nós, pobres mortais, adormecidos a sonhá-la.

 

Pedro II, 07/09/2022, 100 da ‘Praça Velha’, Pedro II, PI.

(Fotos: Isabel Cruz e Ernâni Getirana)